Em entrevista à rádio Jovem Pan Marília (100,9 FM), a advogada tributarista, Daniela Marinho, destaca que o texto da reforma tributária aprovado pelo Congresso é um passo histórico para o país, porém é importante que a sociedade saiba que não traz redução da carga, mas organiza o sistema, na busca por mais equilíbrio.
“Demos um grande passo, mas esta reforma não está trazendo redução de tributos, está afastando algumas distorções. Em alguns casos, vai provocar aumento significativo na carga. Que os setores atingidos comecem a fazer pressão política para que adequações sejam feitas.”
A especialista destaca que a celeridade da aprovação a pegou de surpresa, já que sua melhor perspectiva era que o texto fosse votado apenas no fim do ano. Ela destaca que muitos itens ainda precisavam ser mais discutidos.
“A gente observa que houve arranjos políticos, muitas negociações e isso assusta. O que é triste, já que estão alterando um sistema tributário, que alcança e impacta sobremaneira a vida das pessoas.”
O atual sistema tributário é antigo e movimento para a reforma começou em 2019, com as PECs (Propostas de Emendas à Constituição) 110 e 45.
Daniela ressalta que a reforma aprovada pelo Congresso é uma mistura das duas propostas, que têm em sua essência a criação do IVA, ou seja, a tributação apenas sobre o valor agregado da cadeia produtiva.
“É um marco, mas é preciso entender que não estamos tendo uma reforma estrutural, com mudanças de todas as matrizes. O trabalhador que ganha menos vai continuar num sistema tributário injusto, porque vai consumir produtos com a mesma carga que pagam aqueles quem têm muito dinheiro.”
Ainda na análise da especialista, as mudanças propostas pela reforma, com a extinção de cinco tributos e criação de dois sobre valor adicionado, podem colocar fim à guerra fiscal entre os estados.
“Como o IBS [Imposto sobre Bens e Serviços] será recolhido no local do destino do produto, no consumo, me parece ter uma tendência de solução da guerra fiscal.”
Ela também vislumbra que a simplificação do sistema pode atrair mais investimentos. Hoje, segundo a advogada, 80% das empresas são familiares no Brasil e elas crescem considerando-se as particularidades da região em que foram criadas.
“Aí, por questões tributárias, elas têm que montar unidades em determinado estado e isso traz custos na logística. O texto aprovado tende a acabar com isso.”
Alguns dos pontos negativos do texto aprovado, para a advogada, são os impactos que o setor de serviços pode sofrer e a composição do Conselho Deliberativo, que vai gerir a cobrança e a arrecadação do IBS.
“Certamente, o setor de serviços vai pagar mais impostos, eu, como advogada, o pessoal da tecnologia, por exemplo. O setor não tem cadeia anterior, como a indústria. Tudo vai depender da lei complementar que virá na sequência. Serviços representa 70% do PIB [Produto Interno Bruto] do país, se for afetado estamos criando uma reforma para nos atingir, para atingir o emprego.”
Daniela destaca que, além disso, é possível que a reforma nasça inconstitucional, já que o Conselho Deliberativo será formado por 27 estados e 27 representantes de municípios. “Quando temos mais de 5,5 mil no país.
Ou seja, o cidadão não está representado. Estão mexendo em uma cláusula pétrea a partir do momento que a participação dos municípios é menor. Isso será um grande ponto de discussão no Supremo.”
O texto aprovado na Câmara dos Deputados no último dia 7 estabeleceu também que produtos da chamada cesta básica serão isentos de impostos.
Na opinião da especialista, “me parece que isso faz justiça social”. Ela ressalta que em 2024 já teremos uma pequena alteração no sistema tributário, mas que as mudanças propostas na reforma só serão efetivamente adotadas até 2033. “Por dez anos, vamos conviver com dois sistemas tributários. As mudanças serão graduais, a perspectiva é que até 2028 o PIS/Confins e o IPI já estejam extintos. As alíquotas dos impostos que estão sendo criados começarão baixas para irem sendo calibradas, até a alíquota efetiva.”
Entenda o que muda com a reforma aprovada no Congresso
A especialista explica que a principal mudança será a extinção de cinco tributos. Três deles são federais: PIS (Programa de Integração Social), Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). Esses tributos serão substituídos pela CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), a ser arrecadada pela União.
Os outros dois impostos que serão extintos são locais: ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), administrado pelos estados, e o ISS (Imposto sobre Serviços), arrecadado pelos municípios. Em troca, será criado o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços).
Daniela comenta ainda que será criado o imposto seletivo, que vem sendo chamado de “imposto do pecado”, que vai recair sobre produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente.
“Seria um imposto para desestimular comportamentos e me parece que esse não é o papel dos tributos, que são um mecanismo de arrecadação para que o Estado entregue aquilo que se comprometeu. Fazer isso é exigir do tributo o que ele não se dispõe, trazer uma carga para o direito tributário, e criam-se as distorções.”
O texto aprovado no Congresso abre margem para a criação de um sistema de cashback (devolução de parte do tributo pago), que será regulamentado por lei complementar.
Também cria a possibilidade de as prefeituras atualizarem base de cálculo do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) por decreto e prevê mudanças na tributação sobre patrimônio, com cobrança de imposto sobre meios de transporte de luxo e heranças.
Na visão da advogada tributarista para que a carga tributária seja reduzida é necessário primeiro que ocorra uma reforma administrativa. “O que não aconteceu e duvido que nesse governo venha a acontecer. Não vejo nenhum interesse neste sentido.”